
Ao mosteiro de Santa Clara-a-Velha de Coimbra anda associada uma inestimável
memória histórica construída em larga medida pelo carisma da sua fundadora, a
rainha Santa Isabel, e pelas marcas que nele deixou quando o escolheu para
cenário dos seus últimos anos de vida e lhe legou os seus restos mortais.
Silenciando o grave diferendo, que a primeira fundação deste mosteiro, devida a
D. Mor Dias, havia provocado, a rainha Isabel obteve do Papa Clemente V, a 10
de Abril de 1314, a necessária autorização para fundar um cenóbio da Ordem de
Santa Clara, em Coimbra. A morar nesta cidade, desde a morte do marido,
ocorrida em 1325, a rainha Santa pôde acompanhar activamente os trabalhos de
edificação do mosteiro, bem como do paço, que mandou fazer para sua residência,
nas imediações deste, e do hospício para trinta idosos, com capela anexa,
localizado, igualmente, nas suas proximidades. A construção do novo mosteiro de
Santa Clara de Coimbra, cuja igreja, dedicada a Santa Clara e Santa Isabel da
Hungria, foi sagrada, pelo bispo de Coimbra, D. Raimundo, a 8 de Julho de 1330,
pôde assim contar com o alto patrocínio, mas também com o empenhamento pessoal
da fundadora. A igreja monástica, atribuída ao arquitecto régio Domingos
Domingues, é detentora de uma singularidade tipológica que a afasta, tanto em
planta, quanto em alçado e em sistema de cobertura, das mais características
igrejas construídas, entre nós, pelos mendicantes.

Distinguem-se, igualmente,
das restantes igrejas góticas suas contemporâneas, pela ausência de transepto,
a elevação das três naves quase à mesma altura e abobadamento integral. A
originalidade desta complexa igreja encontra explicação no patrocínio e
interesse da sua régia fundadora, que a quis converter na sua necrópole,
fazendo, para isso, nela colocar o seu monumental sepulcro pétreo com estátua
jacente e decoração em todas as faces. Nas imediações do mosteiro, situado na
periferia da cidade de então, começou a esboçar-se um novo burgo denominado dos
paços da rainha ou de Santa Clara, constituído pelos que vieram trabalhar nas
obras ou lá acorriam a demandar trabalho e por todos quantos aí convergiam
atraídos pela fama de generosidade da rainha. A história do mosteiro de Santa
Clara de Coimbra ficou marcada de forma permanente, a partir do ano seguinte ao
da sagração, pela invasão das águas das cheias do Mondego. Esta circunstância
obrigou a uma incessante e secular luta contra as condições adversas do sítio
em que havia sido implantado. O assoreamento do leito do rio fez com que, no
século XV, não só cheias excepcionais, mas qualquer uma, incomodasse os conventos
localizados na vizinhança deste rio e, no decurso do século XVII, os edifícios
do mosteiro de Santa Clara tiveram também de se adaptar às condições criadas
por esta perniciosa situação, através do lançamento de um piso a meia altura da
igreja. No entanto, a situação no mosteiro tornou-se de tal modo insustentável
que, em 1647, o rei D. João IV ordenou a construção de um novo mosteiro para
onde as religiosas clarissas se transferiram, em 1677. O primitivo mosteiro,
que passou, a partir de então, a ser designado de Santa Clara-a-Velha, entrou
num progressivo processo de destruição e abandono, tendo no século XVIII, a
Câmara de Coimbra deliberado que, por razões de saúde pública, fosse demolido o
remanescente das construções monásticas arruinadas. A igreja que pela sua
solidez havia resistido às investidas arrasadoras das cheias, voltou a aguentar
as medidas de demolição decretadas pela autarquia. No entanto, no século XIX,
após a extinção das ordens religiosas, foi adquirida por particulares,
profanada e utilizada para fins tão diversos, como habitação, celeiro e até
curral. Somente em 1910, já meia enterrada nas areias do Mondego, a igreja de
Santa Clara viu ser-lhe atribuída a classificação de Monumento Nacional, mas
apenas nas décadas de trinta e quarenta sofreu trabalhos de restauro, a cabo da
Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN). Tratou-se de uma
intervenção de vulto na parte superior do edifício da igreja, uma vez que a
parte inferior continuava enterrada, que lhe conferiu o aspecto que manteve até
à década de noventa desse século.

A partir de 1992, encontra-se em curso uma
profunda intervenção, a cargo do IPPAR, que já resgatou a parte inferior da
igreja e o remanescente do claustro, que irão ser restituídos a visitantes em
“ambiente seco”, visto ter sido essa a opção tomada para preservar este
monumento, que obrigou à construção de uma Cortina de Contenção Periférica. A
extracção dos sedimentos acumulados no interior da igreja permitiu obter um
conhecimento mais aprofundado da sua arquitectura, avaliar o modo como a foram
adaptando às condições desfavoráveis so sítio e recolher um espólio, não só
numeroso como muito variado. Porém, a grande novidade desta intervenção residiu
na exumação do claustro, uma vez que se tratava de um “monumento desaparecido”
e escassamente documentado. Após a profunda intervenção patrimonial a que está
a ser submetido e depois de concluídos os estudos e investigações em diversas
áreas do saber, que sobre ele têm, também, vindo a ser empreendidos, espera-se
que um conhecimento mais alargado sobre o mosteiro de Santa Clara-a-Velha de
Coimbra e a sua fundadora possa vir a ser divulgado junto de um vasto público.
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Na foto em cima vemos uma maquete representando o
mosteiro na sua globalidade, na Idade Mé-dia, durante o período de
funcionamento. Na margem norte temos a cidade de Coimbra com a ponte a ligar a
margem sul, onde se localiza o mosteiro. Esta margem é mais baixa, ficando
sujeita a inundações das águas do Mondego, quando o seu caudal aumentava de
volume, devido às intensas chuvas que caiam nos Invernos rigorosos.